Flavio Cruz

Eles chegaram

Aconteceu o que ninguém imaginava. Um disco voador, daqueles modelos antigos, que nem se fazem mais, apareceu, todo batido, bem perto de Washington. Uma ousadia. Como é que, com todos esses radares, toda essa segurança, tão suspeito veículo ousou ali estacionar? Estacionar é um forte eufemismo. Na verdade, ele despencou, sem controle, bem no meio de uma rua. Sorte ou habilidade dos pilotos, o inédito engenho conseguiu se desviar das casas. Talvez tenham seguido algum código interestelar de conduta de emergência que respeita a privacidade dos inocentes terráqueos.
Mesmo naves quânticas, cósmicas, têm problemas de fechadura. O fato é que as portas não se abriam, se é que portas havia. Os homens do exército, e da polícia também, estavam ali todos armados, esperando os tripulantes saírem. Logo atrás, deputados e senadores, claro, não podiam perder tal oportunidade. E essa, você não vai acreditar. Um dos soldados, que tinha um resfriado, deu um espirro escandaloso. Daqueles que fazem você falar “saúde” mais por susto do que por educação. E não é que a nave se abriu? De uma maneira simples, lógica. Bem no topo, uma escotilha. Abriu, do jeito que a gente deveria esperar que ela se abrisse.
As armas estavam apontadas para lá. Devagar foram saindo as figuras. Um, dois, três. As formas eram humanas. A pele, entretanto, era como se fosse de crocodilo. Pularam lá de cima. Estranhamente não havia uma escadinha para que eles descessem. Isso é explicável. Certamente pensaram que não tivéssemos gravidade. Porque, certamente, seriedade não temos. Enfim, começaram a andar, lentamente. Foi aí que se notou que cambaleavam, como se fossem bêbados. Certamente estavam tontos com a queda. Foram colocados em um camburão para serem levados para interrogação. Enquanto isso,  especialistas entraram na nave. Uma bagunça, tudo revirado. Perceberam, entretanto, que havia garrafas abertas. Eles andaram bebendo, concluiu o chefe so grupo. Dá para reconhecer uma embalagem de bebida de longe. Pode ser de outro planeta, mas bebum  é bebum. O primeiro enigma estava resolvido. Aquele cambalear não era da queda, era do álcool. Que coisa. Fazer uma viagem cósmica e chegar bêbado num planeta atrasado como o nosso. Enfim, já havia uma desculpa para a detenção: “dirigir veículo automotivo em alta velocidade, com perigo para os transeuntes, sob o efeito de substância não permitida”.
Um advogado apareceu por lá. Resolveu trabalhar de graça, em troca da fama. Primeiro membro da Ordem a defender um extraterrestre. Isso devia contar para alguma coisa. O primeiro embargo que ele colocou foi a jurisdição. Aqueles indivíduos eram de outro planeta, não estavam sujeitos às nossas leis. O juiz falou: “parado aí”, aqui se trata de um problema de segurança.
Enquanto isso, na Casa Branca, estavam discutindo, como foi que a segurança havia sido comprometida. Um objeto vindo do espaço profundo sem ser detectado? Que segurança é essa? O professor de Física Quântica foi chamado e tirou de letra: Eles não vieram por uma rota do normal. Ele viajaram através de uma curva do tempo. Buraco de minhoca, nunca ouviram falar? E completou que estava mais preocupado com o fato de estarem bêbados do que com o fato de que tinham invadido nosso espaço aéreo. “ETs” bêbados, dizia ele, é uma contradição, uma coisa que tem probabilidade zero. Um paradoxo. Ainda assim, aconteceu. Essas coisas acontecem.
Todo mundo resolveu dormir, aquele foi um dia e tanto. Recolheram o disco para a área 51, puseram uma segurança danada e deixaram o resto para o dia seguinte. Eu sei que tem gente relacionando o fato de eles mandarem a nave espacial para a área 51 e o fato de eles estarem bêbados. Quem não conhece a famosa cachaça de Pirassununga com o mesmo nome, quero dizer, número? Não é uma boa ideia?
Paz no mundo, por enquanto. À noite, porém, a notícia vazou. Sempre vaza. A Internet, o Youtube, as redes sociais, e também as que não são tão sociáveis assim, ferveram. Fotos de todos os tipos. Crocodilo com cara de gente, buracos negros com crocodilos sumindo lá dentro, jacarés bebendo pinga, teorias de conspiração, invasão de seres de outros planetas, tudo que dá para imaginar.
Os extraterrestres, que conseguiam detectar as ondas de transmissão no ar, mesmo dentro da prisão de segurança máxima, viram que estavam  definitivamente famosos. Depois, porém, de examinar o conteúdo de toda aquela comunicação, chegaram à conclusão de que a ignorância era muito avançada.  Que não dava para ficar ali, de jeito nenhum. Um atraso cósmico. Só porque tinham bebido um pouco demais, não mereciam tal castigo. Usaram sua força mental, induziram os guardas a libertá-los, foram até a nave, fizeram uns consertos de emergência e pronto. Detectaram um buraco de minhoca e se mandaram. Aproveitaram uma curva do tempo, mesmo porque, por aqui, o tempo está sempre se curvando.
No outro dia, tudo tinha sumido. Aquelas fotos ridículas da Internet, mesmo as verdadeiras, eram obra de quem não tinha o que fazer. Tudo Photoshop, tudo mentira. Esse povo fica pondo besteira na rede o tempo inteiro.
Isso é falta do que fazer, não é mesmo?

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Published on e-Stories.org on 21.05.2015.

 
 

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